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A tragédia do herói latino


Chamo a atenção de vocês para Lionel Messi de joelhos, agarrando o gramado com desespero após fazer parte da quarta derrota consecutiva da Argentina – três finais na Copa América e outra no Mundial do Brasil. Ele, que superou Maradona (55 gols), hoje eleito o maior jogador do mundo, perdeu um pênalti e, depois de 16 finalizações do seu time contra apenas quatro do Chile, no jogo deste domingo, 26, sucumbiu aos 23 anos sem título da sua seleção. Derrotado, teve lágrimas amparadas por uma criança. Depois, anunciou à imprensa mundial: basta! "Para mim a seleção nacional acabou. Fiz tudo o que podia, dói não ser campeão".

Esta dor, no entanto, é a que está mais sujeito o herói. Pois os genuínos jamais se colocam acima da humanidade. Antes, rasgam seu peito com ela. Caso de Zico, para não sair de exemplos do futebol. Ou de Garrincha, campeão do mundo, mas com toda a tragédia na vida pessoal.

Não é apologia ao fracasso. Apenas um novo olhar sobre o que se diz ser. Afinal, quem é Pelé se não um capitão do mato de terno e gravata? Quem é Maradona se não um showman bem assessorado para fazer dinheiro falando merda? E Romário, um político que vendeu seu voto a favor de um golpe de estado contra os mais humildes de seu país? Messi é mais, ao lado de Zico e Garrincha. Isso a ingratidão dos seus compatriotas, todo o futebol do Chile ou o nosso despeito não podemos tirar dele.

Messi é um herói. Fato.

O herói carrega nas costas o vício do seu tempo e paga por isso num nível individual. Após o triunfo, a superação de provas extraordinárias e conquistas gloriosas, ele está condenado ao fracasso e a um fim trágico, que tanto pode ser solitário quanto violento. Exemplo é o clássico Aquiles na Ilíada de Homero. Ele deserda após Agamêmnon desonra-lo, mas retorna para se vingar de Heitor, que matou seu amigo Pátroclo. Sua fúria era temida até pelos deuses. Eles intercederam porque a paixão dele poderia intervir no destino traçado.

É a morte, no entanto, que confere e proclama aos heróis sua condição superior, sua eternidade. É complexo e contraditório, donde reside o paradoxo e a ironia. O maior guerreiro de todos nunca vence as batalhas em nome do seu país, mas, após desistir, se torna um herói. Enquanto isso, idealizamos ele que vem conjurar um mal, que nos diz que estamos no caminho errado. Porque se assim não fizéssemos perderíamos toda a capacidade de imaginar. E sem imaginação donde viria o novo que supera a tragédia anunciada?

O herói anuncia nossa decadência

Depois da ira advinda da derrota, creio que muitos argentinos devam estar caindo em si. Messi não é o palerma chorão de joelhos. A verdade é que, sem um exército maduro, expondo um trunfo de forma heróica, sempre foi muito fácil para qualquer soldado raso do time adversário descobrir o calcanhar do artilheiro e o derrubar.

Com 12 anos de seleção, o argentino teve seis treinadores. O que explica seu sucesso no Barcelona em contradição com a participação frustrante na seleção do seu país. Pois, faça a matemática: que tempo se teve para formar um bom time entrosado e com uma tática consistente? Pouquíssimo. E Messi é quem tinha que segurar as pontas.

Esta epopeia e queda denuncia um mal. Ao exportar heróis em transações milionárias perde-se o nacionalismo tão caracterizado em disputas futebolísticas internacionais. A tragédia do herói latino hoje é ser contrabandeado como qualquer uma de nossas riquezas sempre foram.

O problema não é, como se supôs outrora, o consumo da cultura do outro. Antropofágicos, já superamos isso. O problema sempre será este tipo de saque. Ele que promove a perda do vínculo maior com nossas origens, nossa gente. Muitos já sucumbiram a isso. Neymar, por exemplo, um produto à venda, não está nem aí para a seleção brasileira.

Já Messi chora. Sua paixão irretocável pelas raízes argentinas, expressa sem vergonha para o mundo todo com lágrimas, o faz cair de joelhos e admitir a derrota como apenas os grandes sabem fazer. O problema é que ele não desaba sozinho.

Chore por todos nós Argentina.

Junto com Messi para o Barcelona, vai o melhor do futebol latino. O Centenário da Copa América, como cenário da tragédia do herói argentino, revela uma decadência cultural. Por mais que, como dizia Millôr, o futebol fosse o ópio do povo e o narcotráfico da mídia. É o anúncio do começo do fim de uma era de epifanias populares baseadas neste esporte que tanto já se aproximou da arte.

A profanação de uma tradição, tenhamos dela a crítica que for, é sempre algo de nós que se vai também. Repito: o artilheiro saiu de campo e reconhece que nada mais pode ser feito. Como assistir sua tragédia e não se identificar? Sucumbimos todos com Messi. O Chile comemora uma vitória dentro de uma história onde não há campeões. Somos hermanos na tragédia. Por isso, o jogador de joelhos dá mais manchetes do que a comemoração do título por um povo.

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