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Para gostar de ouvir


Quem não gosta de música erudita tem que ver este documentário sobre pianistas, o The Art of Piano - Great Pianists of 20th Century. Nada demais em termos cinematográficos, mas ótimo para acabar com seu desgosto. Tem no youtube (sem legenda, logo abaixo). Os recursos cinematográficos são parcos, parece ser um desses programas feitos para TV. No entanto, não é a arte cinematográfica que aqui está em evidência, mas a música. Se nada arrancar o seu bis no reward, eu te deixo em paz e não falamos mais nem um pio sobre isso.

No caso contrário, vamos supor que você comece a entender a coisa toda. E descubra que não é simplesmente uma questão de cachorro correndo atrás do próprio rabo. E fica intrigado que a imperfeição técnica pode sim levar ao preciosismo. Diz Piotr Anderszewski. “Nenhum de nós quer mesmo o risco, mas somos atraídos por ele. E a razão pela qual se pratica é reduzir a possibilidade de desastre e para se estar o mais seguro possível. E então, percebe-se que estar o mais seguro possível é sempre chato. E nunca se está completamente seguro, pois a música é algo que é vida e a vida nunca é segura. A vida não é sobre isso.”

Neste momento fiquei órfão de regras estéticas. Comecei a pensar o sentido da arte e coisa e tal mas sem querer criar nada, apenas afim de abstrair. Pois se você entra numas de racionalizar, alguém compara as mãos de Vladimir Horowitz a cavalos de corrida com todos os “musculosinhos”. Seu queixo agora cai, porque ele executa Variações de Carmen de Bizet e no final, antes de agradecer a plateia faz uma expressão de “te peguei!” para o piano, como quem doma um sentimento antes inominável. O que fazer? Rir, que é sempre a minha resposta para o absurdo!

Pronto! Conclui que isso não é para gente comum, como eu que mal consigo distinguir notas. É para seres sensíveis e abençoados por um dom divino. Desisto das incursões musicais e vou até o final do documentário por mero convencionalismo. Mas Artur Rubinstein te contradiz, explica que você é importante nesse processo todo. Ele é a criatura mais doce que já escutei falar numa tela. “Acredito de verdade que quando tocamos para um público, não é apenas o que eles ouvem, mas o que emana de nós. É isso que os faz vir ainda aos concertos em vez de ficar ouvindo em seus lares com uma vitrola. Isso faz grande diferença, sabe. Porque há um toque pessoal, há uma antena. Às vezes, sinto no público, alguma pessoa, pode ser qualquer um... Um velho, uma jovem garota, uma mulher ou um homem. Não tem nada a ver com o sexo ou coisa do tipo. Mas sinto repentinamente que há uma pessoa que me ouve atentamente. Muito melhor do que os outros que levam coisas. Isso me ajuda muito, porque dirijo-me a essa pessoa”.

Oh, estamos animados novamente. E agora já quero tocar piano também ao ouvir Alfred Cortot explicando Schumann, O Poeta Fala de Cenas da Infância para uma aluna. “E a partir daqui você deve transmitir a música não apenas pelas notas, mas por um tipo de inspiração tirada de seu espírito imortal. Agora as sonoridades devem desaparecer aos poucos... diminuindo e se ofuscando... e simplesmente desaparece... na presença de um sonho que permanece a te tocar”.

Não há regras para ser um bom pianista. Arturo Benedetti Michelangeli, por exemplo, cuja reputação foi construída pelas raras aparições públicas e repertório limitado, preocupava-se mais com sua aparência ao piano. Era obcecado com os movimentos, como cada músculo deveria funcionar. Elemento que Cláudio Arrau dissecava numa fórmula muito simples: “Se você mantiver seu corpo relaxado, o corpo estará em contato com o fundo da sua alma. Fui claro? Porque é muito importante. Se você ficar duro em qualquer articulação, impedirá a corrente, a corrente emocional e física, o que a música em si te fala. Se tiver uma articulação dura, isso não te deixará rolar pelas teclas”. Então lembro de Virgínia, minha professora de piano (de poucas aulas) me falando isso. Vem também do chileno a lição final e mais importante para todo aquele que pretende se aventurar numa arte, seja ela qual for ou qualquer que seja a posição escolhida: “Vaidade, o mais terrível, o maior bloqueio para um interprete. Se tem certeza de que o que tem de dizer é único, então não lhe é permitido agradar ou não agradar, impressionar ou não impressionar. Tem sua mensagem e só isso. Se gostarem, tudo bem, se não...”

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