Cadáver no apartamento
Talvez fosse aquela quantidade de musicais de Hollywood
ou livros do período romântico.
Talvez as fotonovelas e clássicos franceses
e aquela bomboniere cheinha de happyends.
Quem sabe?
Sempre um sol de papel laminado quando chovia
ou estrelas de papelão reciclado de caixas
de detergente cravejado de purpurina…
A arte de transformar quinquilharias
em objetos preciosos através de inventários secretos.
Um certo mimetismo de moças de revista
e o mais difícil: a manipulação da vida como um eterno folhetim…
Quem sabe o que a levou mudar a farda das hemácias de vermelho para azul?
Diziam que aquela cor era nobre,
lá se foi ela e sua última tentativa estética de sofisticação.
Num tempo sem dinastias,
em que tudo se resolve com tinta suvinil,
por que não?
O cheiro ruim fazia com que cada víscera do seu corpo se remexesse.
Uma esquadrilha de urubus lá fora no céu se agitava em conformidade.
O retrato daquilo que fora uma jovem senhorinha na cômoda
e no chão uma velha desfigurada
que servia-se de banquete para toda sorte de vermes aminhocados.
Seu estômago colocava para fora estes bichos
junto aos estranhos alimentos outrora engolidos.
rendas,
dourados,
flores,
plumas
vidros.
porcelas.
Nenhum vermelho.
ninguém deveria mexer ali.
Ninguém fora convidado.
Não havia nada morto.
Um disco de Sinatra na vitrola do quarto
estava mais para ser eternizado
junto ao mantra da geladeira.