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Cadáver no apartamento


Via: http://www.hypeness.com.br/2014/01/descoberto-apartamento-em-paris-intocado-e-fechado-ha-mais-de-70-anos/

Talvez fosse aquela quantidade de musicais de Hollywood

ou livros do período romântico.

Talvez as fotonovelas e clássicos franceses

e aquela bomboniere cheinha de happyends.

Quem sabe?

Sempre um sol de papel laminado quando chovia

ou estrelas de papelão reciclado de caixas

de detergente cravejado de purpurina…

A arte de transformar quinquilharias

em objetos preciosos através de inventários secretos.

Um certo mimetismo de moças de revista

e o mais difícil: a manipulação da vida como um eterno folhetim…

Quem sabe o que a levou mudar a farda das hemácias de vermelho para azul?

Diziam que aquela cor era nobre,

lá se foi ela e sua última tentativa estética de sofisticação.

Num tempo sem dinastias,

em que tudo se resolve com tinta suvinil,

por que não?

O cheiro ruim fazia com que cada víscera do seu corpo se remexesse.

Uma esquadrilha de urubus lá fora no céu se agitava em conformidade.

O retrato daquilo que fora uma jovem senhorinha na cômoda

e no chão uma velha desfigurada

que servia-se de banquete para toda sorte de vermes aminhocados.

Seu estômago colocava para fora estes bichos

junto aos estranhos alimentos outrora engolidos.

rendas,

dourados,

flores,

plumas

vidros.

porcelas.

Nenhum vermelho.

ninguém deveria mexer ali.

Ninguém fora convidado.

Não havia nada morto.

Um disco de Sinatra na vitrola do quarto

estava mais para ser eternizado

junto ao mantra da geladeira.

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